sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Onde está o bom senso dos estudantes da USP?

Um confronto entre Polícia Militar e estudantes, em qualquer situação, não deveria acontecer nunca – partindo de princípios básicos, a PM deve combater o crime e a violência e os estudantes devem estudar e se preparar para serem bons profissionais. Até aí, isso é o que deveria acontecer. Sabemos que nem sempre os alunos têm essa postura – nos dias de hoje, quase nunca – e que nem sempre a polícia cumpre seu dever como deveria. Nenhuma novidade. Sabemos também que muitas manifestações ocorrem nas universidades, principalmente nas públicas – o que é muito justo quando a causa é pertinente e a luta é por melhoria na educação, melhor infraestrutura e salários mais justos para os funcionários – e não raro esses protestos são reprimidos pela polícia. Tudo bem, não tiro a razão dos estudantes e funcionários que se manifestam em busca de coisas melhores, estão certíssimos. Agora, fazer uma manifestação e entrar em confronto com a PM porque três estudantes foram presos por fumar maconha dentro da USP é o fim da picada!

O que esses alunos que entraram em confronto com a polícia na noite de ontem querem? Simplesmente brigar porque acham que as drogas devem ser legalizadas e porque não acharam certo três estudantes serem detidos porque estavam com maconha? Quer lutar pela liberação das drogas? Justo, a questão está aí para ser discutida. Mas usar a violência e atos irresponsáveis para isso não têm sentido nenhum. Perde totalmente a razão quem usa a violência e o vandalismo para buscar soluções.

Ou isso que está acontecendo desde ontem na USP não é vandalismo? Ah, a questão é o uso de drogas, que não deve ser reprimido? Ou deve ser liberado e permitido dentro da USP, independentemente da lei? Sim, caros alunos, vocês merecem o direito de fumar maconha – e não podem ir pra delegacia por isso - só porque são alunos da USP, superiores e muito melhores do que o resto da população, é isso que pensam? E é claro, o campus é muito seguro e a PM não tem necessidade de fazer o policiamento – afinal, nunca aconteceu nenhum crime lá! Ah, jogar cavaletes contra a polícia, chutar e subir em cima de viaturas e jogar pedras contra carros, policiais e jornalistas não é vandalismo não, é liberdade e luta pelos direitos! É isso que vocês chamam de movimento estudantil? E vocês ainda querem dizer que o bom senso está do lado dos estudantes que fumam maconha dentro da universidade, protestam contra o policiamento e não se preocupam com a qualidade da educação pública e muito menos com o respeito ao próximo? Parabéns, caros estudantes da Universidade de São Paulo que se negam a desocupar o prédio enquanto o convênio com a PM não for desfeito!

Não, caros alunos, sinto muito, mas a atitude não passa de vandalismo e está longe de ser uma manifestação estudantil séria. O policiamento deve sim ser reforçado dentro do campus da USP, que todos sabem que está longe de ser seguro. Crimes devem ser combatidos, furtos, roubos e homicídios dentro de uma universidade pública são inaceitáveis. E enquanto as drogas forem proibidas no Brasil, o uso delas continuará sendo crime, o usuário continuará sendo detido e o traficante continuará sendo preso; e quem é a favor da legalização continuará lutando pela legalização. Simples assim, de acordo com a Lei.

Enquanto vândalos e moleques inconsequentes disfarçados de estudantes sérios ocupam o prédio da administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, os alunos que realmente comportam-se como estudantes da Universidade de São Paulo e que serão profissionais reconhecidos e competentes, com uma formação digna de quem ralou muito para se formar, os verdadeiros intelectuais – sejam alunos ou professores -, os mestres e doutores que frequentam a USP com dignidade e respeito pela Educação são obrigados a ver toda essa palhaçada e, pior, são obrigados a ver o nome da instituição cada vez mais manchado por pessoas que insistem em ter atitudes inconsequentes que nada tem a ver com educação e com o significado de ser estudante.

E vocês, caros manifestantes que protesto contra o convênio da USP com a PM, ocupem-se com coisas úteis, com manifestações sérias e com discussões produtivas.


Foto: Letícia Macedo/G1

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A entrevista não realizada

“Eu não quero falar. A essa hora da manhã... ainda nem comi.”

Luiz da Silva, 65


Quinta-feira, nove horas da manhã. Os termômetros da Avenida Paulista registravam vinte graus. O céu estava nublado e o vento gelado.

Com o olhar vago, alheio ao movimento de carros e pessoas passando sem parar pela avenida que representa o coração financeiro de São Paulo, Luiz da Silva, de 65 anos, mais parecia uma peça de xadrez fora do tabuleiro. Olhos vazios de esperança, perdido dentro de si mesmo, esperava a vida passar, talvez até quisesse que ela o levasse dali.

Pele morena queimada do sol, olhos castanhos sem nenhum brilho, barba comprida e dente podre. Vestindo roupas velhas, o morador de rua estava há algum tempo sentado no murinho de um canteiro, bem na frente do Conjunto Nacional, prédio arquitetado por Oscar Niemeyer que ilustra os cartões postais da capital paulista.

Naquela manhã passavam por ele pessoas de todos os tipos: estudantes, empresários, executivos, trabalhadores. No ritmo intenso característico da Avenida Paulista, todos caminham apressados rumo aos compromissos e poucos notam que naquela mesma calçada por onde correm há uma pessoa que parou no tempo de sua vida.

Mas pouco importa. Luiz não quer. Afinal o que ele tem para falar? Está parado, quieto e sem incomodar ninguém. Não quer ser incomodado por quem passa.

A voz quase não usada mais parece um sussurro. O ruído dos carros, dos ônibus e as buzinas se sobressaem sobre as palavras ditas a força. Luiz está há quatro anos nas ruas e o desemprego é o culpado de tudo, segundo ele. O lugar desde então escolhido para dormir e perambular é a Avenida Paulista. Dorme na esquina com a Rua Augusta e passa os dias por ali. Anda sempre sozinho.

Mas chega. Luiz já falou demais para quem não queria nem ter pronunciado a primeira palavra.

- Não quero falar. A essa hora da manhã... ainda nem comi.

O primeiro não

A entrevista não foi feita, o personagem não falou e eu não sei sua história. Mas eu não consigo esquecer a imagem fragilizada e o olhar vazio de esperança daquele homem das ruas.

Sei apenas o nome e a idade dele e que a situação de rua foi conseqüência da falta de emprego.

Não tive sequer tempo para ligar o gravador. A única frase que consegui registrar na memória e anotar no caderno é a que abre este capítulo. A mesma encerra a história e não sai da minha memória.

Luiz não queria falar, ainda mais logo cedo, eram nove horas da manhã e ele ainda não tinha comido nada. Não sei se no dia anterior tinha comido alguma coisa. Ao ouvir a frase pronunciada com tamanha tristeza, imediatamente levantei de onde estava sentada ao lado dele e fui comprar um lanche, única atitude pertinente naquele momento. Ele não agradeceu, mas comeu aliviado sem me dizer uma única palavra.

Respeitei o silêncio, me despedi e fui embora.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Aos 10 anos: tiros disparados, professora ferida e suicídio

Criança de 10 anos que entrou armada na escola, baleou a professora e atirou na própria cabeça é um caso extremo que merece atenção das autoridades, mesmo que esta preocupação venha tarde demais, depois de toda a tragédia

Quinta-feira, 22 de setembro de 2011, na Escola Municipal Alcina Dantas Feijão, em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo. Um crime dentro da escola. Professora baleada, garoto de 10 anos morto. O atirador: o próprio garoto de 10 anos que morreu.

Davi Mota Nogueira, aluno do 4° ano do Ensino Fundamental, pegou a arma do pai – um revólver calibre 38 -, foi para a escola, assistiu as três primeiras aulas e, na quarta aula do dia, pediu licença à professora para ir ao banheiro. Voltou atirando. Rosileide Queiros de Oliveira, de 38 anos, foi baleada pelo aluno na região abdominal. O garoto, após disparar contra a professora, foi para o corredor da escola e atirou contra a própria cabeça. Foi socorrido, mas morreu. A professora passou por cirurgia e está fora de perigo. As outras 25 crianças da sala onde aconteceu a tragédia assistiram tudo e carregarão para o resto da vida o trauma de ver o colega de classe, de 10 anos, atirando.

Segundo a diretora da escola, o menino era calmo, bom aluno e sem histórico de violência. O pai é guarda-civil metropolitano, há mais de 14 anos na corporação. A polícia tenta entender o caso, até agora sem explicação e sem motivo aparente.

A história, que mais parece enredo de filme, deixou todo o país chocado e incrédulo. Ao pensar no título deste texto, cheguei a escrever “Tragédia na porta da escola – mais uma”. Realmente, esta é só mais uma tragédia que aconteceu na porta das escolas brasileiras – na maioria dos casos, colégios públicos. Lamentável constatação e triste observação é afirmar que a exceção está se tornando regra, e casos de mortes e assassinatos nas escolas nos chocam, ficamos indignados, inconformados, mas a sensação é de que a tragédia já era prevista, anunciada. Ao me deparar com notícias deste tipo tenho a impressão de que poderia ter sido evitado, vidas poderiam ser poupadas e crianças poderiam estar vivendo como crianças, sem traumas, vivas, brincando.

E os questionamentos são muitos. Como uma criança de 10 anos pode usar uma arma? Atirar na professora e, em seguida, se matar? O que se passava na cabeça dessa criança? Como estava a vida desse menino em casa, qual o relacionamento com a família? E na escola? Tinha amigos? Era vítima de bullying e violência? Tinha algum distúrbio psicológico? Trata-se de uma criança de apenas 10 anos!

Perguntas como essas, que certamente atormentam todas as pessoas que param para refletir sobre o caso, nunca terão respostas. Mas a luta para impedir novos casos de violência nas escolas não pode ser deixada de lado. Autoridades têm a obrigação de tratar o assunto com prioridade, não apenas nos discursos bonitos, mas na prática, com investimento, acompanhamento e fiscalização da segurança pública e da educação. A polícia tem o dever de fiscalizar, acompanhar, estar presente no dia a dia das pessoas. Os professores precisam ficar de olho no comportamento dos alunos, e não apenas nas notas. A violência escolar deve ser combatida a todo custo. E a família, base a educação de toda criança, tem a obrigação de acompanhar o desenvolvimento de seus filhos, o dever de conversar, orientar e, acima de tudo, cuidar.


sábado, 2 de outubro de 2010

É hora de mudar

Dia 3 de outubro de 2010. Dia de votar em deputado estadual e federal, vereadores, governador e presidente. Dia de apostar em mudanças. Leia-se, dia de apostar em boas e significativas mudanças.
A cada eleição somos surpreendidos por escândalos, brigas e intrigas – se é que isso ainda surpreende alguém. O voto, que na teoria é secreto, é uma escolha de cada cidadão – que, também na teoria, não deve dar satisfação da sua escolha a ninguém. Tratando-se de uma democracia, cada um é livre para apostar seu voto naquele que lhe parece ser o melhor e o mais capaz de mudar, transformar, melhorar.
Mas, de que adianta cobrar tantas mudanças assim para os políticos se no fundo o discurso é sempre o mesmo: tudo farinha do mesmo saco? E de que adianta tanta discussão e cobranças se não assumimos nossa própria responsabilidade perante nossas próprias escolhas?

Não, eu não quero falar de política. Eu quero falar de mudanças.

A mudança a qual me refiro é aquela que muitas vezes queremos evitar. Por medo.
Entretanto, ela só acontece quando encarada de frente, cara a cara. Com coragem de ousar, arriscar, colocar sua conta em risco. E essa mudança acontece primeiro dentro de cada um de nós. Intimamente.
De que adianta querer mudar o país se não conseguimos sequer mudar o corte de cabelo? De que adianta tanto discurso se na prática somos incapazes de arriscar um caminho novo? Pra que tantos planos se não temos coragem de apostar nos sonhos?
Francamente, não acredito que possamos ser felizes sem apostar de vez em quando, conscientemente, em mudanças. Às vezes radicais, outras, nem tanto. Mas em algo novo, que dá aquela sensação de frio na barriga e nos permite pensar “e agora?”. O incerto é fascinante e nos dá mais força para seguir em frente em busca de coisas novas, desconhecidas. Isso aumenta o aprendizado e nos permite conhecer melhor quem realmente somos. É o que nos permite renovar, criar, transformar...


Texto sem sentido? Talvez... Mas, por ora, oportuno.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Vaidade despedaçada

“Eu li um livro que fala que quando os sonhos acabarem é porque a vida acabou. E eu não tenho mais eles.”
Ed, 39 anos.

Lágrimas não contidas, choro envergonhado e risadas tímidas. Todos os sentimentos misturados. Sensibilidade à flor da pele e memórias que prefere esquecer. São olhos vazios de perspectiva e marejados de lembranças.
Edvaldo da Silva, de 39 anos, tem vergonha do passado e mais ainda do presente. Envergonha-se da vida nas ruas, do cheiro de pinga impregnado em seu corpo, da boca desdentada e dos hematomas provocados pela embriaguez constante.
Carrega até hoje os traumas da infância e os sonhos da adolescência. Mas não se permite mais sonhar. Não tem mais esperança.
Dos amores, prefere não falar, mas revela ter tido três namorados maravilhosos. Não faz questão alguma de esconder a homossexualidade. Aliás, fala logo de uma vez que é gay, prefere evitar especulações quanto a sua opção sexual. O sorriso tímido passeia pelo rosto ao vasculhar na memória o tempo em que foi capaz de amar e ser amado.
Mas as lágrimas interrompem o sorriso quando conta que tem HIV. E imediatamente muda de assunto. Não deixa espaço para falar mais sobre isso, não quer falar. A revelação da doença que mais parece uma sentença de morte e perigo basta para perturbar a mente confusa deste pernambucano que vive perambulando pelas ruas de São Paulo.
Ed, como gosta de ser chamado, não escolhe lugar para dormir e não dorme sempre no mesmo lugar. Isso não importa para ele, qualquer calçada serve. A única exigência é ficar longe das pessoas. Ele não procura um grupo para se unir, prefere andar sozinho pelas ruas da cidade e não gosta de se aproximar das pessoas.
Não tem amigos, não tem sonhos, não tem planos. Não gosta de albergues, prefere a rua. E sente tanto frio. Sua vida mais parece um poema cheio de ‘nãos’ e de vazios.
- Eu só tive perdas e danos.
Foi para a rua depois dos 30 anos de idade, quando não admitiu a morte do pai, vítima de problemas cardíacos, e não suportou o falecimento da mãe dias depois. Perdeu os pais, os amigos, o trabalho, a identidade. Sabe apenas de onde veio, mas não sabe para que veio ao mundo. Para onde vai é uma questão inimaginável, sequer pensada. Ele não imagina sua vida daqui uns anos.
- Nem amanhã.
As perdas causaram danos irreparáveis para a vida de Ed.
- Toda minha família era unida. Hoje...toda minha família é espalhada.
Não tem mais contato com os irmãos. E nem quer. Até gostaria de ver os sobrinhos, mas não tem como ligar para eles. E eles também estão longe, moram no Rio de Janeiro. Melhor deixar tudo como está.
O passado é doloroso. Ed não entra em detalhes sobre a vida, mexer no passado e vasculhar a memória parece lhe causar um sofrimento ainda maior do que aquele vivido diariamente por ele. Com poucas palavras conta que estudou. Fez faculdade de moda.
- Trabalhei com celebridades. Trabalhei com tantas pessoas glamourosas. Entendo tanto de beleza, de delicadeza.
Mas logo muda de assunto. A beleza não faz mais parte da sua vida. Tem vergonha da própria aparência.
Vergonha. Palavra que Ed conhece muito bem. Palavra que esteve presente em sua vida desde a infância e insiste em continuar assombrando seus dias. Adjetivo presente em seu vocabulário, usado para descrever a própria vida.
Aos treze anos, quando ainda morava em Pernambuco, foi violentado sexualmente pela irmã. A mesma reuniu toda a família e contou que ele é homossexual.
- Achei uma coisa tão abominável. Eu era criança. Ela me envergonhou. A minha irmã me envergonhou perante toda a minha família.
As lágrimas não contidas e o olhar triste demonstram o sofrimento ao lembrar tudo o que aconteceu. A mágoa em sua voz e a entonação de suas palavras revela o quão nojenta foi a atitude da irmã para ele.
Da família guarda mágoas e ao mesmo tempo saudade dos tempos de criança, quando os pais ainda eram vivos e todos moravam em Pernambuco. Tempo em que a infância era feliz e a rua lugar seguro para brincar, e não palco das noites frias em claro bebendo.
Agora que vive nas ruas, agora que já perdeu mesmo tudo o que amava, lhe resta beber.
O cheiro de bebida vindo da boca de Ed denuncia que ele tinha acabado de beber – ainda eram onze horas da manhã. Ele pediu desculpas pelo cheiro do álcool, envergonhado. E muitas vezes se desculpou pela aparência feia, suja e pelo mau cheiro.
A bebida é importante para proteger do frio, enganar a fome, afastar os pensamentos e fazer dormir.
Ed gosta mesmo de vodca, mas se não tiver toma metanol, o importante é beber. Quanto mais, melhor. E para isso não tem horário. A bebedeira começa cedo e se estende ao longo do dia, é atividade constante, interrompida apenas pelo sono. Duas ou três garrafas diárias são o suficiente para fazer o efeito desejado: a perda da memória.
O álcool traz a leveza para quem carrega marcas tão pesadas de uma vida com cicatrizes incuráveis.
- Eu bebo para esquecer mesmo. Perder totalmente a memória. Esqueço totalmente a fome. Eu gosto de beber. Eu gosto. Eu esqueço, eu durmo.
As drogas não fazem parte de sua vida. Mas considera o álcool a pior coisa do mundo, entretanto não quer parar de beber.
Bebe todos os dias, e isso o deixa confuso quanto a própria vida, é difícil contar como é um dia em sua vida, como é a rotina. Parece que a bebida toma conta do tempo e ao mesmo tempo é a bomba relógio que pode levá-lo para onde estão os pais.
Quer esquecer o passado e não quer viver o presente. Diariamente alcoolizado e cambaleando pelas ruas, os tombos são inevitáveis.
- Todos os meus hematomas são de queda.
Para esconder a marca roxa do lado esquerdo do olho, passa base e pancake. A maquiagem, cuidadosamente guardada no bolso, representa a pouca vaidade que ainda lhe resta. Talvez a única ligação que tem com o passado.
O espelho reflete uma imagem já desconhecida, de uma pessoa que se esconde de si mesma, que se esconde das outras pessoas, que se esconde do mundo. E esse mesmo espelhinho é objeto fundamental para ver como está sua aparência e para retocar a maquiagem. Não quer mostrar as marcas da decadência.
Mas a vaidade não é mais como fora um dia. Está despedaçada dentro do peito, quebrada assim como os dentes – que também o envergonham tanto! Seria tão bom se pudesse restaurar a boca. Assim poderia voltar a sorrir sem colocar a mão na frente, sem se preocupar com a aparência. Poderia até mesmo conversar mais com as pessoas.
- Gostaria muito, muito, de restaurar a minha boca. Faria qualquer coisa, diz.
Talvez este seja o único sonho que Ed se permite ter. O único desejo que ainda gostaria de realizar. Enquanto diz que não tem sonhos porque a vida acabou, sonha em ter belos dentes para exibir o sorriso. Contradições da vida.
Mas para ele, que perdeu os pais, a família, o emprego, o gosto pela moda – que perdeu tudo – é tão difícil sonhar, desejar, amar, viver.
- Eu li um livro que fala que quando os sonhos acabarem é porque a vida acabou. E eu não tenho mais eles.
Pois é, a vida já não tem mais graça para este pernambucano que desembarcou em São Paulo e viu tudo desmoronar ao seu redor. Para ele é melhor ir embora. Não da rua, mas é melhor partir.
E, olhando para o céu com olhos cheios de sonhos despedaçados e lágrimas insistentes, apenas uma única frase é pronunciada:
- Pela falta de esperança.

Sensibilidade à flor da pele


As lágrimas foram constantes durante toda a entrevista, que foi uma das mais emocionantes e intensas. Ed chorou do começo ao fim, a ponto de soluçar e não conseguir falar.
Ao saber que uma jornalista estava no centro de São Paulo para fazer entrevistas com os moradores de rua, imediatamente me procurou, já com lágrimas nos olhos. Não foi difícil perceber que falar do passado é difícil e doloroso para ele.
Em muitos momentos Ed pediu para desligar o gravador. Sem gravar ele se sentia mais a vontade e livre para falar qualquer coisa, sem se importar com o que estava dizendo. Várias vezes ele me perguntou: “Você quer sinceridade, né?”, e diante da minha resposta positiva, continuava a falar sobre a vida.
Já no começo da entrevista ele me contou que é homossexual, sem nenhum pudor. Mas não quis falar muito sobre isso. Não sei se sua opção sexual interferiu ou interfere de alguma maneira na sua vida nas ruas.
O cheiro da pinga revelava que ele tinha acabado de beber, e ao perceber isso logo se desculpou e confessou que realmente tinha bebido. Aliás, muitas vezes ele pediu desculpas pelo cheiro e colocou as mãos na boca, como se isso fosse impedir que o cheiro do álcool escapasse pelos dentes quebrados.
Este é um personagem que me impressionou muito por causa da forte emoção. Chorou sem parar do começo ao fim. Os risos eram sempre entre lágrimas. Os sorrisos, envergonhados. O Ed me impressionou também pelo carinho com que me tratou. Diversas vezes me elogiou, agradeceu pela conversa e disse ter prazer em conversar comigo. Afirmou que aquela conversa estava lhe fazendo bem, apesar de ser uma pessoa que não gosta de conversar.
Provavelmente não o verei novamente. Ele não tem um ponto fixo na cidade para dormir, não freqüenta nenhuma instituição social, anda pelas ruas sem destino e quase sempre inconsciente por causa do álcool. Mas tenho certeza de que a sua imagem ficará para sempre guardada na minha memória.
A emoção, a delicadeza e o carinho dele me surpreenderam e me encantaram.


* Primeiro capítulo do livro-reportagem Contos da Rua (Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da FIAM - Faculdades Integradas Alcântara Machado).

sábado, 4 de abril de 2009

Sem medo do ridículo

Uma guerra da alegria, com armas de pena; brincadeira de criança, daquelas que deixavam as mães bravas por causa da bagunça; gargalhadas e risadas.
Este sábado foi o dia da guerra de travesseiros no mundo todo, e contou com a participação de pessoas de todas as idades.
Um gesto que liberta a criança que existe dentro do ser humano. Expressa a vontade de se libertar, de quebrar regras, de não seguir protocolos. Uma maneira de espantar os fantasmas de cada um, de esquecer que existem pessoas observando tudo o que fazemos.
Uma atitude simples, algo que pode ser feito todos os dias em casa. Não tem contra indicação e o resultado são boas risadas e muita diversão.
Enquanto nos preocupamos em seguir regras pré-estabelecidas pela sociedade, sem sequer questioná-las, esquecemos de sorrir, de brincar, de ser feliz. No nosso dia-a-dia recheado de compromissos, problemas no trabalho, brigas familiares, rancor e discussões, deixamos de ver a essência das coisas e do real sentido da vida.
Num mundo de pessoas estressadas e depressivas, que correm o tempo todo contra o relógio, é preciso organizar diariamente “guerras de travesseiros”. Guerras cujo objetivo é o riso, a alegria, a felicidade simples e pura. Do jeito que só as crianças conseguem ter com naturalidade, com espontaneidade.
Constantemente nos sentimos observados e julgados; o tempo todo, mesmo que inconscientemente, tomamos atitudes pensadas, analisadas, medidas. O medo do ridículo é fatal. Fatal talvez para a nossa real personalidade, que mais se preocupa com a sociedade do que com o ser humano em si.
Quem teria coragem de ir em um sábado qualquer no parque do Ibirapuera, em São Paulo, com alguns amigos e travesseiros debaixo do braço? Imagine só como seria a reação das pessoas ao verem adultos fazendo guerra de travesseiro no meio do parque. Um bando de loucos, no sentido mais pejorativo possível do termo.
Mas hoje foi diferente. Isso aconteceu no mundo todo. Só no Ibirapuera foram cerca de quinhentas pessoas. Adultos brincando como crianças, sem medo de serem felizes e sem medo de serem tidos como loucos.
Sem dúvida, quem estava presente teve uma sensação única. De leveza, beleza, poesia. Uma cena emoldurada pelas penas que voavam dos travesseiros e que teve como trilha sonora gargalhadas sinceras.
Talvez seja isso que falte no mundo, sorrisos sinceros e um pouco mais de poesia na vida.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Podemos estar cancelando as ligações

Sabe aquelas ligações chatas, cujo objetivo é vender algum produto que na maioria das vezes você não quer. E o pior, quando você atende e escuta do outro lado da linha uma pessoa que foi treinada para falar como se fosse uma máquina e que insiste em contrariar a gramática, usando todas as formas possíveis e erradas do gerúndio.
Pois é, agora você já pode “estar cancelando” esses telefonemas incômodos e indesejados.
Começou a valer na última quarta-feira o bloqueio de ligações de empresas de telemarketing. O consumidor precisa apenas cadastrar o número do telefone no site do Procon. Celular ou fixo, quantos números a pessoa quiser.
Isso mesmo, simples assim.
Por enquanto a medida foi adotada somente no estado de São Paulo. E pelo jeito os paulistas realmente estão cansados de “estar atendendo” a tantos telefonemas. Em menos de uma semana, já foram feitos cerca de setenta mil cadastros.
O bloqueio passa a funcionar trinta dias após o cadastro. E a empresa que desrespeitar a lei será multada.
Segundo o Procon, a legislação fortalece o poder de escolha do consumidor. Quem gosta de receber as ligações de empresas de telemarketing, ótimo, vai continuar recebendo; mas quem não quer ser perturbado tem agora o direito de escolha.
O jeito agora é ver se as empresas vão mesmo respeitar esse decreto estadual.
E viva o cadastro “antitelemarketing”!