Luiz da Silva, 65
Quinta-feira, nove horas da manhã. Os termômetros da Avenida Paulista registravam vinte graus. O céu estava nublado e o vento gelado.
Com o olhar vago, alheio ao movimento de carros e pessoas passando sem parar pela avenida que representa o coração financeiro de São Paulo, Luiz da Silva, de 65 anos, mais parecia uma peça de xadrez fora do tabuleiro. Olhos vazios de esperança, perdido dentro de si mesmo, esperava a vida passar, talvez até quisesse que ela o levasse dali.
Pele morena queimada do sol, olhos castanhos sem nenhum brilho, barba comprida e dente podre. Vestindo roupas velhas, o morador de rua estava há algum tempo sentado no murinho de um canteiro, bem na frente do Conjunto Nacional, prédio arquitetado por Oscar Niemeyer que ilustra os cartões postais da capital paulista.
Naquela manhã passavam por ele pessoas de todos os tipos: estudantes, empresários, executivos, trabalhadores. No ritmo intenso característico da Avenida Paulista, todos caminham apressados rumo aos compromissos e poucos notam que naquela mesma calçada por onde correm há uma pessoa que parou no tempo de sua vida.
Mas pouco importa. Luiz não quer. Afinal o que ele tem para falar? Está parado, quieto e sem incomodar ninguém. Não quer ser incomodado por quem passa.
A voz quase não usada mais parece um sussurro. O ruído dos carros, dos ônibus e as buzinas se sobressaem sobre as palavras ditas a força. Luiz está há quatro anos nas ruas e o desemprego é o culpado de tudo, segundo ele. O lugar desde então escolhido para dormir e perambular é a Avenida Paulista. Dorme na esquina com a Rua Augusta e passa os dias por ali. Anda sempre sozinho.
Mas chega. Luiz já falou demais para quem não queria nem ter pronunciado a primeira palavra.
- Não quero falar. A essa hora da manhã... ainda nem comi.
O primeiro não
A entrevista não foi feita, o personagem não falou e eu não sei sua história. Mas eu não consigo esquecer a imagem fragilizada e o olhar vazio de esperança daquele homem das ruas.
Sei apenas o nome e a idade dele e que a situação de rua foi conseqüência da falta de emprego.
Não tive sequer tempo para ligar o gravador. A única frase que consegui registrar na memória e anotar no caderno é a que abre este capítulo. A mesma encerra a história e não sai da minha memória.
Luiz não queria falar, ainda mais logo cedo, eram nove horas da manhã e ele ainda não tinha comido nada. Não sei se no dia anterior tinha comido alguma coisa. Ao ouvir a frase pronunciada com tamanha tristeza, imediatamente levantei de onde estava sentada ao lado dele e fui comprar um lanche, única atitude pertinente naquele momento. Ele não agradeceu, mas comeu aliviado sem me dizer uma única palavra.
Respeitei o silêncio, me despedi e fui embora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário