sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Onde está o bom senso dos estudantes da USP?

Um confronto entre Polícia Militar e estudantes, em qualquer situação, não deveria acontecer nunca – partindo de princípios básicos, a PM deve combater o crime e a violência e os estudantes devem estudar e se preparar para serem bons profissionais. Até aí, isso é o que deveria acontecer. Sabemos que nem sempre os alunos têm essa postura – nos dias de hoje, quase nunca – e que nem sempre a polícia cumpre seu dever como deveria. Nenhuma novidade. Sabemos também que muitas manifestações ocorrem nas universidades, principalmente nas públicas – o que é muito justo quando a causa é pertinente e a luta é por melhoria na educação, melhor infraestrutura e salários mais justos para os funcionários – e não raro esses protestos são reprimidos pela polícia. Tudo bem, não tiro a razão dos estudantes e funcionários que se manifestam em busca de coisas melhores, estão certíssimos. Agora, fazer uma manifestação e entrar em confronto com a PM porque três estudantes foram presos por fumar maconha dentro da USP é o fim da picada!

O que esses alunos que entraram em confronto com a polícia na noite de ontem querem? Simplesmente brigar porque acham que as drogas devem ser legalizadas e porque não acharam certo três estudantes serem detidos porque estavam com maconha? Quer lutar pela liberação das drogas? Justo, a questão está aí para ser discutida. Mas usar a violência e atos irresponsáveis para isso não têm sentido nenhum. Perde totalmente a razão quem usa a violência e o vandalismo para buscar soluções.

Ou isso que está acontecendo desde ontem na USP não é vandalismo? Ah, a questão é o uso de drogas, que não deve ser reprimido? Ou deve ser liberado e permitido dentro da USP, independentemente da lei? Sim, caros alunos, vocês merecem o direito de fumar maconha – e não podem ir pra delegacia por isso - só porque são alunos da USP, superiores e muito melhores do que o resto da população, é isso que pensam? E é claro, o campus é muito seguro e a PM não tem necessidade de fazer o policiamento – afinal, nunca aconteceu nenhum crime lá! Ah, jogar cavaletes contra a polícia, chutar e subir em cima de viaturas e jogar pedras contra carros, policiais e jornalistas não é vandalismo não, é liberdade e luta pelos direitos! É isso que vocês chamam de movimento estudantil? E vocês ainda querem dizer que o bom senso está do lado dos estudantes que fumam maconha dentro da universidade, protestam contra o policiamento e não se preocupam com a qualidade da educação pública e muito menos com o respeito ao próximo? Parabéns, caros estudantes da Universidade de São Paulo que se negam a desocupar o prédio enquanto o convênio com a PM não for desfeito!

Não, caros alunos, sinto muito, mas a atitude não passa de vandalismo e está longe de ser uma manifestação estudantil séria. O policiamento deve sim ser reforçado dentro do campus da USP, que todos sabem que está longe de ser seguro. Crimes devem ser combatidos, furtos, roubos e homicídios dentro de uma universidade pública são inaceitáveis. E enquanto as drogas forem proibidas no Brasil, o uso delas continuará sendo crime, o usuário continuará sendo detido e o traficante continuará sendo preso; e quem é a favor da legalização continuará lutando pela legalização. Simples assim, de acordo com a Lei.

Enquanto vândalos e moleques inconsequentes disfarçados de estudantes sérios ocupam o prédio da administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, os alunos que realmente comportam-se como estudantes da Universidade de São Paulo e que serão profissionais reconhecidos e competentes, com uma formação digna de quem ralou muito para se formar, os verdadeiros intelectuais – sejam alunos ou professores -, os mestres e doutores que frequentam a USP com dignidade e respeito pela Educação são obrigados a ver toda essa palhaçada e, pior, são obrigados a ver o nome da instituição cada vez mais manchado por pessoas que insistem em ter atitudes inconsequentes que nada tem a ver com educação e com o significado de ser estudante.

E vocês, caros manifestantes que protesto contra o convênio da USP com a PM, ocupem-se com coisas úteis, com manifestações sérias e com discussões produtivas.


Foto: Letícia Macedo/G1

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A entrevista não realizada

“Eu não quero falar. A essa hora da manhã... ainda nem comi.”

Luiz da Silva, 65


Quinta-feira, nove horas da manhã. Os termômetros da Avenida Paulista registravam vinte graus. O céu estava nublado e o vento gelado.

Com o olhar vago, alheio ao movimento de carros e pessoas passando sem parar pela avenida que representa o coração financeiro de São Paulo, Luiz da Silva, de 65 anos, mais parecia uma peça de xadrez fora do tabuleiro. Olhos vazios de esperança, perdido dentro de si mesmo, esperava a vida passar, talvez até quisesse que ela o levasse dali.

Pele morena queimada do sol, olhos castanhos sem nenhum brilho, barba comprida e dente podre. Vestindo roupas velhas, o morador de rua estava há algum tempo sentado no murinho de um canteiro, bem na frente do Conjunto Nacional, prédio arquitetado por Oscar Niemeyer que ilustra os cartões postais da capital paulista.

Naquela manhã passavam por ele pessoas de todos os tipos: estudantes, empresários, executivos, trabalhadores. No ritmo intenso característico da Avenida Paulista, todos caminham apressados rumo aos compromissos e poucos notam que naquela mesma calçada por onde correm há uma pessoa que parou no tempo de sua vida.

Mas pouco importa. Luiz não quer. Afinal o que ele tem para falar? Está parado, quieto e sem incomodar ninguém. Não quer ser incomodado por quem passa.

A voz quase não usada mais parece um sussurro. O ruído dos carros, dos ônibus e as buzinas se sobressaem sobre as palavras ditas a força. Luiz está há quatro anos nas ruas e o desemprego é o culpado de tudo, segundo ele. O lugar desde então escolhido para dormir e perambular é a Avenida Paulista. Dorme na esquina com a Rua Augusta e passa os dias por ali. Anda sempre sozinho.

Mas chega. Luiz já falou demais para quem não queria nem ter pronunciado a primeira palavra.

- Não quero falar. A essa hora da manhã... ainda nem comi.

O primeiro não

A entrevista não foi feita, o personagem não falou e eu não sei sua história. Mas eu não consigo esquecer a imagem fragilizada e o olhar vazio de esperança daquele homem das ruas.

Sei apenas o nome e a idade dele e que a situação de rua foi conseqüência da falta de emprego.

Não tive sequer tempo para ligar o gravador. A única frase que consegui registrar na memória e anotar no caderno é a que abre este capítulo. A mesma encerra a história e não sai da minha memória.

Luiz não queria falar, ainda mais logo cedo, eram nove horas da manhã e ele ainda não tinha comido nada. Não sei se no dia anterior tinha comido alguma coisa. Ao ouvir a frase pronunciada com tamanha tristeza, imediatamente levantei de onde estava sentada ao lado dele e fui comprar um lanche, única atitude pertinente naquele momento. Ele não agradeceu, mas comeu aliviado sem me dizer uma única palavra.

Respeitei o silêncio, me despedi e fui embora.